sábado, 20 de março de 2010

Humor - livros - poemas


Fonte: Jornal O TEMPO
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SEM DOCUMENTO

“Caminhando contra o vento
sem lenço e sem documento.”
(Caetano Veloso)

Em 1968, na época da ditadura, o Zé Carlos já era militante do PC do B e morava numa pensão no Rio de Janeiro. Para quem não sabe, não viveu ou perdeu a memória, é preciso esclarecer que, no tempo da ditadura, ser militante de partido de esquerda era considerado crime e, portanto, quem o era exercia uma atividade clandestina.
Os registros escritos que continham a ideologia, a estratégia e as táticas para se chegar ao poder dos partidos de esquerda chamavam-se “documentos”. E “documentos” eram provas do crime, caso fossem encontrados em poder de algum militante que caísse nas mãos da polícia.
Por isso, Zé Carlos ficou muito nervoso, quando pegou com um companheiro alguns documentos do Partido que ficariam sob sua guarda. Andando nas ruas do Rio de Janeiro, o Zé suava frio cada vez que cruzava com um policial. Decidiu, então, que o melhor seria guardar aqueles documentos na pensão em que morava no Flamengo. Apesar de dividir o quarto com outros dois caras, os caras eram alienados e não entendiam nada de documentos, marxismo, revolução e outras coisas deste tipo, por isso Zé Carlos julgou que fosse seguro esconder aqueles documentos embaixo do seu colchão.
Quando ele chegou à pensão, os caras tinham saído para trabalhar. Sozinho no quarto, nosso herói ficou à vontade para esconder os documentos. Aliviado, resolveu recostar-se um pouco. Mal acabou de fechar os olhos, entretanto, o Zé escutou um barulho. E que barulho! Policiais, já naquela época, gostavam de ser barulhentos. Terroristas oficiais, adoravam impor-se desestabilizando as cabeças das pessoas com o fator surpresa e os gritos e barulhos infernais que faziam quando em diligência. E foi assim que eles invadiram a pensão onde o Zé Carlos morava, em busca de um ladrão comum que julgavam hospedar-se ali.
Zé sentou-se assustado na cama, quando os policiais invadiram seu quarto. Vendo o militante do PC do B, os agentes irromperam em direção a ele, gritando:
– Documentos! Documentos!
Atordoado, o hoje sindicalista lembrou-se dos documentos do PC do B que escondera debaixo do colchão e a primeira coisa que lhe veio à cabeça foi que os policiais o haviam seguido e sabiam dos documentos. Por isso, rápido no gatilho, respondeu aos agentes:
– Documentos? Que documentos? Eu num tenho documento, não! Aqui num tem nenhum documento!
– Não tem documento! Como, indivíduo, cê num tem documento?
– Claro que não! Aqui num tem documento nenhum!...
– Bom – confabulou um dos policiais – se ele não tem documento, vamo tê que levá o indivíduo preso para averiguação...
– Preso como? – questionou o Zé Carlos. – Preso porque não estou com documentos? Pô, num tô entendendo mais nada!...
– Mas, indivíduo – perguntou, de novo, o policial. – Cê num tem documento nenhum? Nem Carteira de Identidade, Título de Eleitor, nada?!
– Pô, Carteira de Identidade eu tenho!... – acordou o Zé, tirando a Carteira do bolso. – Tá aqui...
– E por que cê num mostrou antes, ô imbecil?
– Cês num pediram Carteira de Identidade. – Fez-se de besta o militante. – Pediram documento. Se tivessem pedido Identidade...
– Ah, o indivíduo gosta de se fazer de engraçadinho... Sabia que pode ser preso por desacato, ô sujeito?
Zé Carlos ficou calado, enquanto, após breve discussão, os policiais acharam melhor não levá-lo preso por desacato e resolveram ir embora.
Zé suspirou aliviado e tornou a deitar-se. Escornado sobre os documentos que havia escondido debaixo do colchão, dormiu seu sono dos justos pelo resto da tarde.

Do livro NOS IDOS DE 68
Luiz Lyrio
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UNIVERSO EM DESTEMPERO
A terra, contrariada e furiosa, treme.
O vento, que assobiava, agora geme.
Eu, nessas horas, finjo que não ligo,
enquanto as pessoas buscam abrigo.

E cada um reage de modo variado:
Enquanto um, covarde, foge apavorado,
e outro, inutilmente, só esconde a cara;
a coragem, na Terra, se torna coisa rara.
O ar, vítima de asfixia, fica carregado
e o velho sol se esconde atemorizado.

Ninguém a enfrenta
e o clima esquenta.
Nuvens acinzentadas
e faíscas eletrificadas
tomam conta do céu.
Pássaros voam ao léu.

O universo todo, também a ela devotado,
cheio de raiva, transpira em bicas, revoltado.
O planeta azul fica roxo e, solidário a ela,
sem titubear, toma partido na querela.

E, então, expelidos do seu interior mais profundo,
e saindo por todos os poros vulcânicos do mundo,
devastadores, correm incandescentes rios de lava,
quando minha e/terna e linda namorada fica brava.

Luiz Lyrio
Menção Honrosa no VI Concurso Newton Braga de Poemas