domingo, 2 de agosto de 2009

Muito tarde

Muito tarde...
Clevane Pessoa

Como responder ao olhar faminto

do anjo sujo que pede esmolas tão naturalmente ,

habituado à menos-valia?

Como não pensar no olhar de animal ferido

quando escorraçado, qual se fosse sarnento,

portador de vírus letal?

Como conseguir dormir

depois de ver o anjinho escorraçado

ser torturado por um menino maior

somente por não ter logrado

conseguir a esmola pelo que nem o olhou ao ter passado?

Como não adivinhar as asas transparentes

nas omoplatas aparentes

das carnes magras e sujas?...

Às vezes, só depois de ter negado

uma ajuda necessária, por medo,

por negar-se a colaborar com os aliciadores de menores

ou os pais desnaturados,

é que se pode compreender

que o Amor não foi exercitado,

pois devemos amar, 'apesar de' e' não porque!'

A lágrima às vezes teima em molhar

o travesseiro de quem dorme

em lençóis de linho ou seda...

O olhar da criança nos persegue

o sono e um grito sem tamanho,

sufocado na garganta,

irrompe o espaço da madrugada...

Mas então, pode ser tarde:

o pequenino já foi surrado, seviciado ou maltratado

ou talvez tenha mesmo virado

um anjo de verdade ao ser atropelado assassinado...

E você não fez nada.

Nem eles...

Eu também não...

(*)Esse poema foi publicado em alguns websites e antologias, inclusive faz parte da antologia SONATA POÉTICA, da Anomelivros, em Belo Horizonte, que mereceu um prêmio da Academia Feminina Mineira de Letras, segundo fui informada.

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