Muito tarde...
Clevane Pessoa
Como responder ao olhar faminto
do anjo sujo que pede esmolas tão naturalmente ,
habituado à menos-valia?
Como não pensar no olhar de animal ferido
quando escorraçado, qual se fosse sarnento,
portador de vírus letal?
Como conseguir dormir
depois de ver o anjinho escorraçado
ser torturado por um menino maior
somente por não ter logrado
conseguir a esmola pelo que nem o olhou ao ter passado?
Como não adivinhar as asas transparentes
nas omoplatas aparentes
das carnes magras e sujas?...
Às vezes, só depois de ter negado
uma ajuda necessária, por medo,
por negar-se a colaborar com os aliciadores de menores
ou os pais desnaturados,
é que se pode compreender
que o Amor não foi exercitado,
pois devemos amar, 'apesar de' e' não porque!'
A lágrima às vezes teima em molhar
o travesseiro de quem dorme
em lençóis de linho ou seda...
O olhar da criança nos persegue
o sono e um grito sem tamanho,
sufocado na garganta,
irrompe o espaço da madrugada...
Mas então, pode ser tarde:
o pequenino já foi surrado, seviciado ou maltratado
ou talvez tenha mesmo virado
um anjo de verdade ao ser atropelado assassinado...
E você não fez nada.
Nem eles...
Eu também não...
(*)Esse poema foi publicado em alguns websites e antologias, inclusive faz parte da antologia SONATA POÉTICA, da Anomelivros, em Belo Horizonte, que mereceu um prêmio da Academia Feminina Mineira de Letras, segundo fui informada.
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